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A importância da poda sináptica e células da glia no processo de aprendizagem

 
   A aprendizagem e a memória são imprescindíveis para a maioria dos nossos processos cognitivos, sendo assim funções chaves para o estudo da neurociência. A memória pode ser definida como a capacidade que o cérebro tem de armazenar informações que podem ser posteriormente recuperadas, caracterizando assim um processo de aprendizagem. Vários fatores contribuem para esse processo, sendo alguns caracterizados indispensáveis mas poucos discutidos, como a poda neuronal ou poda sináptica. Aqui vamos discutir essa ferramenta utilizada pelo nosso sistema nervoso no processo de aprendizagem além de compreender qual o papel das células da glia nesse sistema.
 
     O nosso cérebro tem a capacidade de se adaptar de acordo com suas adversidades fisiológicas ou patológicas, a chamada neuroplasticidade, que pode ser definida como a capacidade que o SN tem de se moldar às mudanças do meio em que se apresenta.  Para tanto, promove alterações biológicas, bioquímicas, fisiológicas e morfológicas nas células nervosas, em especial, nos neurônios, com a finalidade de se adaptar aos estímulos. Dessas alterações se destaca a plasticidade sináptica, mecanismo pelo qual  as sinapses alteram-se conforme os estímulos (uso ou desuso) que recebem, podendo se fortalecer ou enfraquecer. Sim, a da plasticidade sináptica além de está relacionada com a criação de novos "caminhos neurais alternativos", também pode deletar caminhos pouco ou não utilizados, caracterizando o que podemos chamar de poda sináptica (Imagem abaixo).


 
    A sinapse é a região de contato entre os neurônios onde ocorre o processamento, a modulação e a transmissão da informação entre neurônios. A informação é passada através da liberação de neurotransmissores de um axônio terminal de um neurônio (neurônio pré-sináptico) para  o dendrito de outro neurônio (neurônio pós-sináptico). Esse processo se dá pela chegada do potencial de ação nos no axônio terminal, que gera a abertura dos canais de Ca++ que se ligarão com vesículas de neurotransmissores presentes no citoplasma das células pós sináptica. Após essa ligação, as vesículas liberam os neurotransmissores na fenda sináptica que irão se ligar em receptores presentes na membrana pós sináptica (Imagem abaixo) desencadeando uma série de processos que serão muito importantes para gerar a continuidade do potencial de ação no neurônio pós sináptico. Dessa forma, a poda sináptica é um processo natural de eliminação de sinapses não utilizadas. Essa poda pode estar associada a diminuição de sinapses produzidas “em excesso” nos primeiros anos de vida. Assim, ocorre normalmente de forma mais acelerada na infância e adolescência, com decréscimo gradual até o início da idade adulta. Mas se a poda sináptica é a diminuição da quantidade de conexões entre os neurônios, como ela pode atuar no processo de aprendizagem? A aquisição de novas memórias não estaria relacionada única e exclusivamente com o processo de fortalecimento sináptico? A resposta é não. 



     Sabemos que o mecanismo de plasticidade sináptica LTP (Potenciação de Longa Duração)  e  LTD (Depressão de Longa duração) são imprescindíveis no processo de aprendizagem e consolidação de novas memórias. A LTP um mecanismo de aumento de respostas pós-sinápticas glutamatérgicas que ocorre de forma duradoura nos neurônios hipocampais decorrente de estimulações síncronas de aferentes pré-sinápticos, resultando na melhoria na transmissão do sinal a longo prazo e consequentemente promovendo a consolidação de novas memórias. Já a LTD é o mecanismo inverso, sendo caracterizada pela redução da atividade das sinapses neuronais decorrente da diminuição de atividade neuronal hipocampal (não havendo estímulo tetânico), o que restringe a atividade dos NMDAR, diminuindo influxo de cálcio e consequentemente receptores na densidade pós-sináptica (PSD, do inglês postsynaptic density) e produção de óxido nítrico, favorecendo assim a plasticidade sináptica e a permanência de memórias relevantes já que contribui a o esquecimento de informações não importantes. Dessa forma, a poda sináptica pode ser importante para "dar espaço" ao surgimento de novas sinapses na formação de memórias mais relevantes. 
 
     Nesse contexto de aprendizagem e poda neural, também se destacam as células da glia, que são importantes células imunes presentes no sistema nervoso central responsáveis por funções de defesa e suporte neuronal, destacando-se as micróglias e os astrócitos. Essas células são residentes no sistema nervoso central e são altamente sensíveis a mínimas perturbações fisiológicas, sendo as principais células envolvidas na manutenção da homeostasia tecidual cerebral. As células da glia também estão associadas a processos cognitivos complexos,  como emoção, consciência e memória.  Em resposta a alguns neurotransmissores, os astrócitos parecem regular o fortalecimento sináptico. Além disso, foi observada uma ação não apenas local, mas capaz de atingir neurônios vizinhos de acordo com a projeção das células gliais. Os astrócitos, por exemplo, por meio de proteínas de adesão, atuam no processo de sinalização de Ca 2+ e no mecanismo de LTP hipocampal, regulando a coordenação que ocorre entre o hipocampo e o córtex frontal. Em contrapartida, as micróglias utilizam sua função macrofágica para a eliminação de sinapses e neurônios não utilizados ou durante o desenvolvimento do SNC, favorecendo o mecanismo de poda sináptica. Além disso, a micróglia da medula espinhal se associam a oligodendrócitos durante o desenvolvimento, tal célula é responsável pela produção da bainha de mielina dos neurônios, favorecendo a propagação do potencial de ação, podendo participar do mecanismo de plastico no processo de formação de memórias. Um estudo estudo desenvolvido com camundongos  e que utilizou a técnica de caracterização ultraestrutural tridimensional, por exemplo, mostrou a participação da glia cerebelar de Bergmann no processo de poda sináptica dos neurônios do cerebelo durante o processo de aprendizagem motora, contribuindo para o refinamento do circuito cortical cerebelar maduro por meio do engolfamento sináptico durante esse tipo de aprendizado, mostrando que as células gliais também podem ser importantes para as memórias de âmbito motor. 


Desenho experimental

     Sabendo da importância das células da glia para o processo de fortalecimento sináptico e poda sináptica, e consequentemente, para o processo de aprendizagem, se torna importante a investigação funcional/ anatômica associada a esse mecanismo. Para isso, podemos utilizar ferramentas  para identificar a atividade elétrica e hemodinâmica cerebral como a eletroencefalografia (EEG) e a espectroscopia funcional de infravermelho próximo (NIRS). Em processos cognitivos relacionados à aprendizagem, por exemplo, é normal observar acoplamento das bandas teta-gama (EEG) em CA1 do hipocampo, além disso, trabalhos realizados com NIRS mostram a importância do córtex pré-frontal  medial (mPFC) nesse  processo. Aqui vamos sugerir um possível desenho experimental envolvendo atividade de células gliais, aprendizagem motora e comportamento da atividade cerebral (EEG e NIRS). Para se alcançar esse objetivo , indivíduos poderiam ser alocados em 3 grupos principais distintos: G1 (nenhum tipo de intervenção), G2 (protocolo de aprendizagem motora moderada),  G3 (protocolo de aprendizagem motora intensa). Todos os grupos realizarão avaliação EEG/NIRS inicial (em um estado basal) e final (também em um estado basal), e os grupos com algum tipo de intervenção também será realizado o mesmo tipo de avaliação durante as sessões. Também é interessante realizar testes de fatores biológicos relacionados à atividade glial/ poda sináptica que possam repercutir no sistema nervoso, para assim  correlacionar com os dados eletroencefalográficos e hemodinâmicos (Imagem abaixo).
 
 
Referências:
 
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Figuras adaptadas de: Silverthorn, Dee Unglaub. Fisiologia humana: uma abordagem integrada. Artmed editora, 2010
 
Eberhard Fuchs, E.; Flügge, G. Adult Neuroplasticity: More Than 40 Years of Research. Neural Plasticity, 2014.
 
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Hughes, Alexandria N., and Bruce Appel. “Microglia Phagocytose Myelin Sheaths to Modify Developmental Myelination.” Nature Neuroscience, 2020, doi:10.1038/s41593-020-0654-2.
 
Fonte: Pu, S., Nakagome, K., Itakura, M. et al. Association of fronto-temporal function with cognitive ability in schizophrenia. Sci Rep 7, 42858 (2017). https://doi.org/10.1038/srep42858
 
Saavedra, Luis Miguel, et al. "Long-term activation of hippocampal glial cells and altered emotional behavior in male and female adult rats after different neonatal stressors." Psychoneuroendocrinology 126 (2021): 105164.
 
Pereira Jr, Alfredo, and Fabio Augusto Furlan. "Astrocytes and human cognition: modeling information integration and modulation of neuronal activity." Progress in neurobiology 92.3 (2010): 405-420.
 
Sherwood, Mark William, et al. "Astrocytic IP3Rs: Contribution to Ca2+ signalling and hippocampal LTP." Glia 65.3 (2017): 502-513.
 


Rodrigo Oliveira

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