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Amor e Cocaína. Amor e Vício: Para o cérebro possuem quase o mesmo significado bio-semântico!

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“ Que luz surge lá no alto, na janela?
Alí é o leste, e Julieta é o Sol. “

- Romeu, ato II, cena II



O
que é o amor? Essa sensação que nos transporta para um universo paralelo a dois. Nos empodera, transcende, mas ao mesmo tempo pode nos destruir. É uma grandeza demoníaca ou divina? Qual é o seu significado? Difícil determinar né?

    O amor é um sentimento abraçado por várias civilizações / culturas.  Os significados são complexos e difundidos desde gerações ancestrais na humanidade.

    Para se estudar cientificamente é preciso isolar e entender suas partes para então ter um entendimento holístico sobre esse fenômeno no cérebro.

    O amor do qual trataremos agora, não é o amor entre uma mãe e um filho, entre uma pessoa e seu pet. O amor do qual trataremos é referente ao casal a dois, homem e mulher da qual temos mais estudos científicos.  Este tipo de amor é denominado na ciência como “amor romântico”.  

    Neste tipo de amor, existem fases que acontecem no corpo, ciclos hormonais e atividades neurais que influenciam o comportamento do casal perante diferentes estágios da relação. São estas fases, se apaixonar (paixão), amor passional, amor companheiro e adultério [1] .

    Nosso foco é apenas na primeira fase, a de se apaixonar que pode se estender um pouco no amor passional.

    Porém a historinha que quero lhes contar não começa com o amor, mas sim com a cocaína.

    A cocaína é um alcaloide encontrada nas folhas do arbusto da coca e é a mesma substância utilizada para sintetizar crack. Os incas utilizavam através da mastigação das folhas da coca para fins místicos, religiosos, sociais, nutricionais e medicinais [2].  

    É possível argumentar tanto os valores positivos como negativos, a linha é tênue da sua benevolência e malevolência.

“ Meu único amor nascido do meu único ódio;
Conhecido por acaso e tarde demais!
Como esse monstro, o amor, brinca comigo;
Apaixonar-me pelo inimigo.”

- Julieta, dizendo a si mesma ao perceber que estava apaixonada por Romeo sem saber da recíprocidade.


    Caminhando pelos efeitos positivos


    Os efeitos da cocaína no corpo dependem da quantidade ou concentração consumida e o tempo que se utiliza, casual ou crônico. A nível de percepção humana a cocaína é capaz de trazer uma sensação de alegria, melhorar o humor, aumentar a sensação de energia, aumentar interesse sexual, aumentar sua auto-confiança, o poder de conversação, reduzir fadiga, apetite, medo, ansiedade, sono e intensificar/ampliar os estados da consciência [2-4].

    No período pré-colombiano os “conquistadores” espanhóis ao descobriram que a cocaína era capaz de produzir uma experiência de dor na abstinência, foi considerada pelos seus religiosos como “um agente maligno do demônio”. Mas voltaram atrás na proibição porque perceberam que os nativos trabalhavam melhor nos campos e nas minas de ouro porque a cocaína os estimulavam, eles contornavam a fadiga facilmente, a fome, aumentavam sua resistência e permanência de bem-estar.

    No cérebro a droga funciona bloqueando a captação da dopamina no mensencéfalo, consequentemente isso leva a um aumento da concentração dopaminérgica provocando diversos efeitos dependendo da região do cérebro que essa dopamina age. Outro ponto importante a se destacar é que a droga leva a uma maior ativação de receptores D2 nos neurônios.

    Em 1855 ela foi cientificamente descrita, porém apenas seus fatores positivos haviam sido focados. Neste contexto foi utilizado para uma série de fins, carregavam a fama do elixir da vida, “perfeitos contra depressão” e com o surgimento da Coca-Cola, ganhou o marketing de “um valioso tônico cerebral e uma cura para todas as aflições nervosas”, uma bebida moderada “oferecendo os benefícios da coca sem os malefícios do álcool” [2].  




Sim! Coca-Cola possuía cocaína, é necessário um processo de purificação para retirar o alcaloide, e ainda há quem faz suposições / conspirações de traços moleculares da cocaína exista na bebida. Qual será o famoso segredo da sua fórmula tão bem protegida?

 


Porém nem tudo são mil maravilhas...



“Estas alegrias violentas têm fins violentos

falecendo no triunfo, como fogo e pólvora
Que num beijo se consomem.” 

- Romeu e julieta, Ato II, Cena VI





    Da breve euforia e vislumbre da nirvana, o indivíduo é chocado contra o mecanismos de feedback negativo caso consumido imprudentemente. O excesso de ativação dos receptores D2 leva a uma regulação negativa de sua produção o que diminuí a capacidade do cérebro de experienciar o prazer. Como efeito ricochete da natureza, o corpo se torna imerso em sensações de ansiedade, anedonia (perda da capacidade de sentir prazer), depressão, irritabilidade, fadiga extrema, paranoias e psicoses tóxicas. Neste contexto gera-se uma ânsia por mais cocaína e isto pode originar comportamentos estereotipados, obsessivos-compulsivos e repetitivos. É relatado ainda que pode ocorrer alucinações táteis, como insetos rastejando sob a pele [2,4,5].

    Onde entra o amor em toda essa história?

    Assim como a droga, o amor (paixão) é uma explosão química que acontece no seu cérebro. As famosas moléculas do amor como ocitocina e vasopressina interagem com o sistema dopaminérgico (as mesmas dopaminas citadas na cocaína), na qual são dependentes da liberação de dopamina e seus efeitos nos receptores D2 dos neurônios. Moléculas que liguem nesses receptores induz as preferências de parceiros. Se caso esse receptor for bloqueado ou receptores D1 forem estimulados, o efeito é oposto, se provoca uma violação das preferencias por parceiros[1].

    Não é novidade para a ciência que drogas que influenciem o sistema dopaminérgico, no caso a cocaína seja associada com o mesmo efeito de resposta bioquímica e comportamental do amor romântico em sua primeira fase, assim como seus ricochetes negativos.

Características interessantes levantadas em estudos sobre o comportamento do amor romântico na fase 1[3] :

  •  Produzem o mesmo efeito da cocaína de aumentar o êxtase, energia excessiva, melhora as emoções, reduz sono, o medo, a ansiedade e pode causar perda do apetite.
  • O desenvolvimento comportamental do pensar obsessivo no amado denominado “pensamento intrusivo”,  condicionam a pessoa a pensar no seu parceiro até cerca de 85 % do tempo no seu dia. Forma comportamentos obsessivos-compulsivos, processos muito similares na abstinência da droga cocaína, gerando :

- Sensações de possessão como “amor objeto”
- Dependência emocional
- Medo da rejeição e separação o que inicia ciclos de ansiedade.

  •  Aumento do interesse sexual
  • Maior sensação de empatia com o amado(a), o que influência a uma menor capacidade de tomada de decisões porque conduz para comportamentos de auto-sacrifício pelo parceiro (a) sem discernimento das consequências e a uma extrapolação das suas qualidades pela inibição de sistemas de raciocínio no cérebro humano.

“ Quem é aquela dama, que dá a mão ao cavalheiro agora? Ah, ela ensina as luzes a brilhar! ... Ela é bela demais pra ser amada e pura demais pra esse mundo! Como uma pomba branca entre corvos ela surge em meio às amigas...”

- Romeu

 

    É claro que a dependência e abstinência do amor não gera efeitos colaterais físicos tão severos como a cocaína para o corpo, mas quando se trata de ferimentos psicológicos, a paixão tem o seu poder nocivo.

    Em ambos os cenários, droga ou sentimento, são capazes de gerar vício porque regulam processos no cérebro atrelados a recompensa. Se conduzidos de maneiras imprudentes te levam a abandonar a razão e emergir comportamentos repetitivos em busca da recompensa em detrimento das consequências.

    Por gerações drogas foram endemonizadas e por outras canonizadas (tornarem-se divinos). Alguns médicos britânicos [2] tinham o hábito de administrar “Brompton cocktail”  (preparado de cocaína, heroína e álcool ) para aliviar a dor de pacientes com canceres terminais e lhes proporcionar um orgasmo transcendente de alegria, aceitação da morte como um processo de transformação da existência e não uma sensação anticlímax confusa, demorada e sofrida.  A verdade é que agora estamos quebrando os estigmas na ciência com o conhecimento do bem e do mal dessas substancias ou das atividades/cognições naturais do corpo (como amar).

    Isto nos leva a repensar as novas formas do agir dado seus potenciais bioquímicos e psicoativos de transformar nossas condições de ser e viver.

    Voltando a dialeto do pensamento Amor X Cocaína.

    Metaforicamente é como se o efeito do amor e da cocaína, por exemplo, tivessem significados muito próximos, a mesma (bio-)semântica química desses fenômenos. O ato natural como amar (paixão) com a ação do consumir a cocaína, nos seus circuitos neurais, te levam a viagens muito similares.

“ E Julieta disse a Romeu: De que vale um nome, se o chamamos rosa, sob outra designação teria igual perfume?”

- Romeu e Julieta, William Shakeaspeare   

 

Referências:

 [1] Love is more than just a kiss: A neurobiological perspective on love and affection; A. De Boer et al; Neuroscience; 2012.

[2] In Search of the Big Bang: What is Crack Cocaine?” Accessed February 14, 2019.

[3] Lust, Attraction, Attachment: Biology and Evolution of the Three Primary Emotion Systems for Mating, Reproduction, and Parenting; Fisher, H; Journal of Sex Education and Therapy, 2000. 

[4] Neurobiology of addiction; Wise, R. A. ; Current Opinion in Neurobiology, 1996.

[5] Brain dopamine and reward; Wise, R. A.; Annual Review of Psychology, 1989.  



Willian Barela Costa

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