Sabemos que a ciência pode ser apresentada de diferentes formas no intuito de oferecer uma melhor compreensão sobre o assunto ou abordado para diferentes tipos de leitores. A principal ferramenta utilizada para isso é a comunicação científica, que possui um grande impacto social. Nesse contexto, a Brain Support criou vários mascotes que tentam transmitir assuntos relacionados à neurociência de forma mais lúdica, divertida e de fácil entendimento por meio de blogs, memes, vídeos e desenhos experimentais. São nossos mascotes: Brainlly, Olmeca, Iam, Yagé e Math. Cada um desses mascotes possui uma representação científica, abrangendo diferentes campos da neurociência. Aqui, vamos falar um pouco de Brainlly e de sua relação com células da glia, ondas iônicas e cognição.
A Brainlly é uma água viva neurocientista sarcástica que mostra as mais novas novidades da neurociência em nossos blogs sempre envolvendo seu bom humor em forma de memes. E por que uma água viva? A água viva possui uma representação especial para a Brain Support, com seus tentáculos, ela consegue envolver várias áreas de conhecimento da neurociências ao mesmo tempo que se torna onipresente, como um vidro vivo, podendo desaparecer e reaparecer quando preciso. Além disso, essa representação visual da água viva também é muito semelhante com as células da glia presentes em nosso sistema nervoso, como os astrócitos e microglias que possuem prolongamentos e plasmáticos que possuem importantes funções para homeostase neuronal e consequentemente na cognição, e é nesse ponto que a Brainlly tenta mostrar a interação entre esses tipos de células e seu importante impacto fisiológico.
As células da glia são importantes células imunes presentes no sistema nervoso central responsáveis por funções de defesa e suporte neuronal, destacando-se as micróglias e os astrócitos. As micróglias são macrófagos residentes no sistema nervoso central e são altamente sensíveis a mínimas perturbações fisiológicas, sendo as principais células envolvidas na manutenção da homeostasia tecidual cerebral. Elas se encontram em estágio de latência não ativadas em uma situação fisiológica homeostásica, porém são ativadas após a presença de algum mecanismo agressor decorrente de uma lesão induzida por algum tipo de estresse tecidual ou corpo estranho. Nesse processo de ativação microglial, ocorre a mudança de morfologia ramificada para morfologia amebóide. Já os astrócitos são outros tipos de células gliais com morfologia em forma de astro em seu estágio não ativado , diminuindo seus prolongamentos após ativação. Assim como as micróglias, os astrócitos também possuem importante função de defesa, participando ativamente do processo de cicatrização glial após lesão do tecido. Além disso, o astrócito também possui um papel de regulação da concentração de diversas substâncias com potencial para interferir nas funções neuronais normais, participando ativamente do processo de nutrição neuronal.
Sabendo de tudo isso, trabalhos mostram que as células da glia também possuem um papel fundamental na cognição. Muitos trabalhos mostram a diminuição/controle da ativação microglial e astrocitária após a estimulação elétrica cerebral profunda, além de promover a neurogênese e neuroplasticidade, além estimular padrões eletrofisiológicos (Potencial de campo local) pró-cognitivos, como a memória e atenção. Essas células gliais podem modular a atividade neuronal por meio da liberação de glutamato, d-serina, trifosfato de adenosina e outras moléculas sinalizadoras, contribuindo para sustentar, reforçar ou deprimir as membranas pré e pós-sinápticas. Também , as células da glia podem gerar um fenômeno chamado de "ondas de cálcio intercelulares" (principalmente advindo do retículo endoplasmático dos astrócitos) que se propagam através das junções comunicantes pelas redes neuronais (facilitando a ocorrência de potenciais de ação) (Imagem ao lado) reforçando ou deprimindo sua atividade e o comportamento resultante, além de também se propagar pela própria rede glial, funcionando como um “Hub” que integra resultados de processamento distribuído de várias áreas do cérebro e suporta estados conscientes. A função dessas ondas iônicas de origem glial tem sido estudada, sugerindo que seus padrões dinâmicos compõem um substrato adequado para os sentimentos (desde sentimentos básicos como fome e sede, dor e prazer, até os mais complexos, como alegria e tristeza, amor e ódio). Isso corrobora com resultados de outros trabalhos, que demonstraram que as infecções neonatais graves podem contribuir para o desenvolvimento de doenças afetivas, visto que desencadeiam a ativação imediata do sistema neuroimune das células gliais no hipocampo, gerando comportamento emocional relacionado ao estresse na vida adulta. Dessa forma, as células gliais podem participar de funções cerebrais relacionadas a estados emocionais. Nesse contexto, outros estudos também mostraram o efeito de intervenções de aspecto cognitivo sobre fatores inflamatórios, como é o caso da meditação que reduziu a atividade do NF-κB que é um complexo proteico relacionado a atividade exacerbada microglial, além de também influenciar a atividade de outras células imunológicas periféricas como é o caso dos leucócitos. Outros estudos também mostraram os benefícios de estimular o cérebro com sintomas depressivos com corrente direta (Estimulação Transcraniana por Corrente Direta, tDCS). O benefício vêm dos efeitos da estimulação nos astrócitos, e não nos neurônios. Eles mostraram que a aplicação de corrente no crânio libera ondas sincronizadas de cálcio nos astrócitos, o que pode reduzir os sintomas depressivos e levar a um aumento geral da plasticidade neural, a capacidade das conexões neuronais de mudar quando tentam aprender ou formar memórias. Dessa forma, a realização de trabalhos futuros que investigam técnicas que induzem uma resposta de controle inflamatório com melhora do estado emocional cognitivo possui importante relevância neurocientífica.
Desenho experimental
Sabendo da importância de estimular padrões não inflamatórios no intuito de gerar possíveis efeitos pró-cognitivos emocionais, é interessante estudar técnicas que possuem esse potencial. Como vimos, a eletroestimulação (tDCS) e a meditação são duas técnicas que possuem algum tipo de ação para tal. Para realizar essa investigação seria interessante o uso da eletroencefalografia (EEG) (Imagem ao lado), visto que cada emoção possui uma assinatura eletroencefalográfica específica, variando o tempo, frequência e domínios de tempo-frequência mistos dependendo da emoção evocada no momento. Além disso, efeitos pro cognitivos, como consolidação de memória, são associados a aumento do power de onda teta e acoplamento teta gama. Nesse contexto, o uso do espectroscopia funcional de infravermelho próximo (fNIRS) associado com EEG também pode auxiliar na análise espacial da resposta hemodinâmica cortical durante as demonstrações de cada emoção. Para isso, os indivíduos seriam alocados em 6 grupos principais distintos: G1 (nenhum tipo de intervenção), G2 (meditação com tDCS ON), G3 (meditação com tDCS OFF), G4 (apenas meditação), G5 (apenas tDCS ON) e G6 (apenas tDCS OFF). Todos os grupos realizarão avaliação EEG/NIRS inicial (em um estado basal) e final (também em um estado basal), e os grupos com algum tipo de intervenção também será realizado o mesmo tipo de avaliação durante as sessões. Também é interessante realizar uma avaliação emocional subjetiva e testes de fatores inflamatórios que possam repercutir no sistema nervoso, para assim correlacionar com os dados eletroencefalográficos e hemodinâmicos (Imagem abaixo).
Referências:
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