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O que é consciência?: uma perspectiva histórica multicultural

   
     A consciência é algo que ainda temos dificuldade de definir de forma exata no meio científico, mas pode ser considerada uma “qualidade da mente”, abrangendo qualificações tais como subjetividade, autoconsciência, sentiência, sapiência, e a capacidade de perceber a relação entre si e um ambiente. A consciência pode ser vista como o conjunto dos dados da experiência individual que se oferece ao conhecimento imediato. A compreensão da consciência humana é um dos maiores desafios da ciência cognitiva e neurociência. Essa discussão se apresentou de forma complexa e multifacetada ao longo da história por diversas culturas e tradições filosóficas. Uma perspectiva histórica e multicultural pode revelar como diferentes sociedades e períodos de tempo entenderam e interpretaram esse conceito fundamental. Aqui vamos discutir a definição de consciência a partir de uma perspectiva histórica multicultural.

     Na Grécia Antiga, figuras como Platão e Aristóteles discutiram a consciência como parte intrínseca da alma ou psique. O diálogo de Platão em "A República" e a obra de Aristóteles, "Ética a Nicômaco", oferecem insights sobre como eles relacionavam mente, percepção e realidade, onde apresentavam a consciência como parte de uma “alma racional”, estando relacionada à percepção sensorial e à capacidade de raciocinar e refletir sobre essas percepções. Já em relação a filosofia Oriental, tradições como o Budismo e o Hinduísmo exploram a consciência por meio de meditação, iluminação e autoconhecimento. O "Livro Tibetano dos Mortos" (imagem ao lado) e os sutras budistas são fontes fundamentais que oferecem perspectivas profundas sobre a mente e a consciência. Segundo o budismo, a consciência é vista como um fluxo contínuo de experiências momentâneas, sem uma entidade permanente por trás delas (anatta) que está sujeita à mudança constante e é influenciada por fatores como sensações, percepções, emoções e pensamentos. Já a partir de uma perspectiva hinduísta, a consciência (Atman) é vista como a essência última e indivisível de cada ser humano. A realidade última (Brahman) é considerada idêntica à consciência individual.  Na Filosofia Medieval, em especial no contexto cristão, a concepção de consciência estava estreitamente ligada à moralidade e à relação do ser humano com Deus. Santo Agostinho enfatizava a consciência como uma reflexão interna, um guia para discernir entre o bem e o mal, conectando-a à vontade divina. Em sua obra "Confissões", explora sua jornada pessoal nesse sentido. Por outro lado, Tomás de Aquino relacionava a consciência à lei divina e à razão, vendo-a como orientada pelas virtudes e princípios morais, como exposto na "Suma Teológica". Ambos os filósofos moldaram a visão da consciência como um guia moral influenciado pela vontade de Deus e pela lei divina na tradição cristã medieval.
 
Já em uma perspectiva indígena latinoamericana, a consciência é percebida como uma parte integrante e interligada ao todo do universo, em contraste com a visão ocidental mais fragmentada. Além disso, a consciência é frequentemente associada à relação com os antepassados e aos espíritos da natureza, estabelecendo uma ligação ancestral e espiritual. A ênfase recai sobre o equilíbrio com o ambiente, sendo os rituais e práticas espirituais fundamentais para esta interconexão. De forma semelhante, a cultura africana também apresenta uma riqueza de visões sobre a consciência, destacando sua interconexão com a comunidade, a natureza e uma compreensão holística da existência. Muitas tradições filosóficas enfatizam uma consciência coletiva, interdependente entre os indivíduos e integrada à ordem cósmica. A relação com a espiritualidade, ancestralidade e o ambiente é central, vendo a consciência como parte de um universo vivo e espiritual. Além disso, algumas tradições consideram a consciência como um princípio vital, integrado à vida como um todo. A diversidade dessas perspectivas filosóficas evidencia a amplitude e a profundidade das visões sobre a consciência dentro da filosofia africana, enriquecendo a compreensão global desse conceito.
 
     Compreender as diversas definições de consciência ao longo da história e em diferentes culturas é crucial para a ciência. Isso amplia o entendimento contemporâneo, evitando visões limitadas e eurocêntricas. Essa compreensão multidimensional promove um diálogo interdisciplinar entre áreas como neurociência, psicologia e filosofia, fomentando inovações e avanços científicos. Além disso, ao considerar a variedade de interpretações culturais, a ciência se torna mais sensível à diversidade, auxiliando na abordagem de questões éticas complexas, como inteligência artificial e saúde mental, com maior respeito às diferentes perspectivas, não sendo restrita apenas a perspectivas eurocêntricas. A reflexão sobre as definições históricas e culturais da consciência também enriquece o debate filosófico, promovendo uma análise mais profunda sobre a natureza humana e o propósito da existência.
 




Referências
 
Neumann, Erich. The origins and history of consciousness. Routledge, 2015.
 
Heinämaa, S., Lähteenmäki, V., & Remes, P. (Eds.). (2020). Consciousness: An Interdisciplinary History. 
 
Tarnas, R. (1991). The Passion of the Western Mind: Understanding the Ideas That Have Shaped Our World View. 

Spira, R. (Ed.). (2017). The Nature of Consciousness.
 


Autor: Rodrigo Oliveira
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