Se uma árvore cai na floresta mas não há ninguém por perto, ela faz barulho?
A pergunta que intitula este blog e divide opiniões é, na verdade, um experimento mental e filosófico proposto por George Berkeley por volta de 1710. O filósofo, defensor do Imaterialismo, questionava a observação e a própria realidade afirmando que o mundo não existe enquanto substância fora de nós. Ou seja, tudo aquilo que não é objeto da percepção não existe.
O conceito esse est percipi (ser é ser percebido) que sustenta o Tratado Sobre os Princípios do Conhecimento Humano [1] causa um estranhamento óbvio e parece muito fácil de ser refutado - ora, sei que o que eu vejo é apenas uma parcela da realidade. Além disso, sua imparcialidade também pode ser questionada no decorrer do texto, onde Berkeley termina por se justificar em razões e motivações religiosas. No entanto, a inquietação despertada pela indagação inicial já é o suficiente para trazer à luz dois conceitos chave na neurociência: sensação e percepção.
Sensação e Percepção podem ser encaradas como os dois extremos de um continuum - a dificuldade está em firmar o marco onde esses dois eventos se dividem. A Sensação começa com a transdução sensorial - onde um tipo de energia é transformado em outro, passível de interpretação do organismo - a partir de algum tipo de estimulação proveniente do meio. Já a Percepção é a interpretação do indivíduo frente a esses estímulos, como cita Goldstein [2] , ‘a percepção é uma experiência sensorial consciente’.
Por exemplo: você já parou para pensar que as cores não existem de fato? Elas não são propriedades da radiação eletromagnética mas sim o resultado da percepção visual de um observador. Ou seja, nossa percepção se apoia na nossa capacidade de sentir.
Se não há luz, o vermelho não se faz notar. Se a tal árvore cair na floresta Amazônica, eu não seria capaz de ouvir o barulho do impacto aqui em São Paulo. Nessa medida, toda percepção é a ressonância, na consciência, de uma excitação sensorial [3] - se não há excitação suficiente, não há percepção. No entanto, baseados em experiências passadas, somos capazes de criar modelos mentais para esses eventos. Posso imaginar o vermelho sem o ver, estimar o barulho da árvore sem ouvi-la cair, lembrar do perfume de alguém quando estou distante e etc.
Mas, o que aconteceria se não houvessem memórias para me guiar? Ou até mesmo, se alguém me perguntasse à respeito de sensações que nunca vivenciei? O gosto de uma nota musical [4], o cheiro de um filme de terror, ou o toque da cor azul? Me pergunto se a execução de modelos mentais dessas experiências apresentariam os mesmos correlatos neurais observados em sensações já vivenciadas. Indo além, será que esses correlatos apresentariam algum tipo de padrão entre os indivíduos estudados? Ou seriam frutos de associações sensoriais extremamente particulares?
Ao buscar entender qual o processamento ativado pela imaginação desse tipo de sensações, proponho um cenário experimental, de forma extremamente superficial: uma tarefa composta pela exibição de perguntas à respeito de sensações comuns como ‘qual é o cheiro de uma rosa?’, ‘ qual a cor do céu?’, ‘qual o som de um violão?’, ‘qual a textura da areia?’- o indivíduo seria estimulado a apenas imaginar as situações, sem a necessidade de descrevê-las em voz alta. Entre essas perguntas, seriam exibidas também as de caráter ‘estranho’ como ‘qual o gosto do canto dos pássaros?’, ‘qual o cheiro da cor azul?’, ‘qual a cor do sentimento de raiva?’, etc. Nesse experimento seria interessante coletar dados como padrões e intensidade de ativação das áreas sensoriais através do EEG, fNIRS ou fMRI. Além do tempo de reação vinculados às perguntas através dos Softwares E-Prime ou SuperLab X5 Beta 9.
Para que esse blog termine tão reflexivo quanto começou, pergunto: com base no que conversamos aqui e na concepção de que a realidade é uma experiência individual, o que é ter empatia?
Até o próximo blog!
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
[2] GOLDSTEIN, EB. Sensation and perception. 8th - Belmont: Wadsworth, Cengage Learning, 2009.