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UM ESTRANHO NO FORMIGUEIRO: Um passeio sobre formigas e a neurociência


Provavelmente, você já parou para observar uma cena com essa:



Nesse instante, você provavelmente se questionou sobre como as formigas conseguiam fazer isso. Afinal, é bastante curioso ver que insetos tão pequenos podem ser capazes de um nível tão complexo de organização.


Essa pergunta também é feita por diversos cientistas, os quais utilizam colônias de formigas como modelos para explorar como suas redes de interações funcionam e como esse tipo de conhecimento pode ser expandido para nos ajudar a compreender outros processos. Não entendeu como podemos fazer esse tipo de comparação? Vamos levar você a um passeio por uma colônia de formigas!


As formigas cortadeiras


Existe muita diversidade de espécies de formigas e dependendo do seu habitat, elas podem ter hábitos muito distintos. Vamos focar aqui nas formigas cortadeiras. Elas pertencem a tribo Attini e as mais comuns em zonas tropicais são as Atta e as Attini, respectivamente, as saúvas e as quenquéns. Essas formigas geralmente são vistas como uma mega praga agrícola, mas elas exercem um papel MUITO importante dentro dos ecossistemas, através da reciclagem de matéria orgânica. Alguns autores dizem até que elas podem, juntamente com os cupins (Isoptera) chegar a ser responsáveis por 20% da reciclagem de matéria orgânica mundial.


Formigas cortadeiras cultivam um jardim de fungo, que é espécie-específico (ou seja, uma espécie de formiga se associa a uma certa espécie de fungo), vivendo em um processo simbiótico muito desenvolvido. Basicamente, as formigas fornecem matéria orgânica para o fungo e ele fornece alimento para elas. Gostou? Além disso, o fungo sofre muito risco de contaminação, especialmente por outras espécies de fungo. Assim, dentro da colônia, as formigas evitam essa contaminação e que seu fungo simbionte “adoeça”. Sabe como elas fazem isso? Uma das formas mais famosas é o cultivo de uma bactéria no corpo das formigas que atua como fungicida da espécie contaminante. Em outras palavras: tem um sistema de simbiose complexo e que coevoluiu a milhares de anos!


Como você deve imaginar, tem muito ecólogo que se interessa sobre esse aspecto das formigas! Mas aqui vamos focar no seu comportamento de redes.


Como falamos em outro blog, as formigas são insetos eussociais e possuem uma natureza complexa de relações sociais internas na colônia. A divisão do trabalho reprodutivo existe, entre rainhas e operárias, sendo que as operárias se dividem em subcastas, separando os trabalhos da colônia. Formigas cortadeiras possuem uma classe de formigas que trabalha em atividades internas ao ninho (como o cuidado do jardim de fungo, oferta de água, etc) e uma classe que trabalha em tarefas externas ao ninho (principalmente busca por alimento e defesa da colônia). A questão é: como que todos esses grupos se organizam?

FORMIGAS SE COMUNICAM!


Nós, humanos, muitas vezes não conseguimos conceber formas de comunicação que ocorrem independentemente do som, afinal estamos acostumados com a nossa própria fala e com os sons produzidos pelos diversos grupos de vertebrados. A questão é, insetos não possuem cordas vocais, mas assim como nós temos outras formas de comunicação (expressões faciais, linguagem corporal, o olhar, etc), esses animais também desenvolveram diversas formas de comunicação ao longo da evolução.


Diversos estudos mostram que formigas tem uma percepção química extremamente desenvolvida, mas elas também percebem pistas visuais e tudo indica que elas possuem uma boa organização de memória espacial também. Isso significa que: formigas, individualmente, conseguem perceber diversos tipos de informação, que podem ser transmitidas ao restante da colônia. Isso é essencial para a manutenção de um sistema complexo, afinal, uma colônia pode forragear uma área de alguns kilometros, sendo essencial trazer novas informações de todo esses ambientes para a colônia. Aqui vamos destacar dois tipos de transmissão de informação das formigas: os feromônios e os encontros de cabeça!


Fenomônios


Conhecidos como o método de comunicação clássica das formigas, os ferômonios produzidos pela colônia são muitos e podem ser compostos relativamente complexos. Como dissemos anteriormente, formigas apresentam uma sensibilidade química muito alta. Desse modo, elas fazem uso de feromônios para indicar o momento para reprodução, para indicar perigo (conhecido como “feromônio de alarme”) e principalmente, para demarcar a trilha que leva a uma fonte de alimento.

Encontros de cabeça


Na trilha de forrageamento, é comum encontrarmos algumas formigas dando uma espécie de “cabeçada” uma nas outras. Em um primeiro momento, parece só que elas “trombaram” por acidente, mas na verdade, tudo indica que esses encontros são muito importantes para a transmissão de informações. Há quem ache que nesses momentos, acontece algum tipo de passagem de informação através das antenas. Não sabemos exatamente como esse processo funciona, mas já foi observado que após um “encontro de cabeça”, as formigas podem mudar sua trajetória, ou até mesmo mudar de atividade.



MUITAS, MUITAS FORMIGAS!


Colônias de formigas cortadeiras, em laboratório, costumam ter de 5 a 30 mil indivíduos. Esses números já são relativamente grandes, mas na natureza, as colônias podem ter MILHÕES de indivíduos. Além disso seus ninhos são verdadeiras cidades gigantescas e mega complexas debaixo da terra. É possível e bem provável que formigas de um mesmo ninho possam viver a vida inteira encontrar uma mesma formiga da sua própria colônia. Mesmo assim, as colônias continuam operando de forma extremamente organizada e sincronizada. Isso significa que a comunicação entre essa grande rede deve ser muito eficiente.


Quando pensamos no sistema nervoso é comum pensarmos nos nossos cem bilhões de neurônios e nas quase incalculáveis possibilidades de interações que temos. Colônia de formigas se assemelham muito a nossos cérebros nesse quesito de possibilidade de interações. Elas nos permitem pensar sobre transmissão de informações de uma forma complexa e analógica, afinal, se trata de um superorganismo vivo e não de uma máquina digital, como um computador (que também utiliza o conhecimento de redes para funcionar). Além disso, podemos projetar as interações intra castas e entre castas como análogos aos processos de comunicação entre áreas relativamente especializadas do nosso sistema nervoso.


Mas pra que serve conhecimento de rede? O que isso pode mudar na minha vida?


Já ouviu falar de doenças neurodegenerativas, como mal de Alzheimer, Parkinson, Huntington, etc? Entender como redes funcionam pode nos ajudar a entender os efeitos de perdas de certas áreas para o sistema e até mesmo pensar em novas maneiras de explorar a plasticidade do nosso cérebro em tratamentos de inúmeras doenças.



Ivânia Bruns

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