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Ideologia de gênero: o que a neurociência e as ciências humanas têm a dizer sobre isso?

               


   No dia 26 de junho de 2019, o Ministério das Relações Exteriores afirmaram que, na visão do governo brasileiro, gênero e sexo biológico são a mesma coisa, indo totalmente de encontro a visão científica sobre a ideologia de gênero. Apesar de ser uma afirmação equivocada para o meio científico, essa idéia é bastante defendida na sociedade atualmente, onde no Brasil, por exemplo, 87% da população é contra a discussão nas escolas sobre ideologia de gênero, que baseia-se na teoria de que uma pessoa pode escolher o próprio gênero, e isso pode ser mais ainda intensificado já que o governo vigente possui grande impacto sobre a formação da opinião pública social. Mas o que a ciência e a sociologia tem a dizer sobre isso?

    Bem, antes de discutirmos qualquer coisa, é importante definirmos melhor o que é a ideologia de gênero, que é uma expressão usada pelos críticos da ideia de que os gêneros são, na realidade, construções sociais. Para os defensores desta "ideologia", não existe apenas o gênero masculino e feminino, mas um espectro que pode ser muito mais amplo do que essas duas identificações binárias. 
                      
    Áreas das ciências sociais e biológicas, como antropologia, filosofia, psicologia e medicina, conceituam sexo biológico como aquele determinado na hora do nascimento, relacionado com o tipo de genitália e a predominância hormonal, podendo ser masculino, feminino ou hermafrodita. Nesses casos, o sexo biológico pode ser alterado com por meio de uma cirurgia de mudança de sexo e administração de hormônios. Já o gênero pode ser definido como o que a uma pessoa, diante do seu autoconhecimento, se identifica e se comporta independente do sexo biológico. Mas quais são os argumentos científicos para diferenciar o sexo biológico e gênero dessa forma? Alguns trabalhos mostraram que  na maioria dos vertebrados têm um momento durante o desenvolvimento embrionário que a transformação dos genitais masculinos ou femininos se tornam irreversíveis, enquanto dados sobre desenvolvimento cerebral indicam grande desenvolvimento e plasticidade por um longo período mesmo depois da fase embrionária, principalmente durante a socialização do indivíduo com o meio externo social. Como vimos no nosso blog "
Condições socioeconômicos podem influenciar no desenvolvimento do cérebro?" o cérebro pode apresentar diferenças no desenvolvimento funcional e estrutural dependendo do estímulo em que ele é apresentado durante a infância. Da mesma forma, dependendo da experiência de vida de cada pessoa, o desenvolvimento da consciência acaba se tornando algo totalmente particular independente do tipo de genitália ou predominância hormonal. Dessa forma, o cérebro não deve ser sexualizado assim como as genitálias, assim como a opção comportamental que envolve gênero de uma pessoa também não, pois fazem parte de uma autoconstrução social. 
                    
   Além disso, as ciências humanas defendem essa idéia de que o gênero está diretamente relacionado com as influências sociais a partir da análise temporal e cultural de uma nação, partindo do pressuposto que o conceito de gênero pode ser totalmente volátil dependendo do espaço e tempo. Para entendermos melhor esse ponto, faremos alguns questionamentos importantes, como por exemplo, o que define o gênero feminino atualmente no brasil para a maioria da sociedade? Uma pessoa que usa batom, maquiagem, vestido ou saia, meia calça e calcinha? Sim, a maioria da sociedade brasileira define "ser mulher" além da genitália feminina dessa forma. Mas o que é ser mulher para um aborígene australiano 400 a.C.? e o que é ser uma mulher nas tribos indígenas de Nova Guiné atualmente? e o que é ser uma mulher no Japão feudal? Percebeu que o conceito de um gênero que já pode estar bem estabelecido para você, pode variar muito dependendo da época ou do lugar? Lembre que durante o século XVIII  na corte francesa era considerado um homem prestigiado aquele que usava pó de arroz, batom, peruca, salto alto e meia calça. Outro exemplo bastante utilizados pelos sociólogos é de que uma pessoa com sexo biológico masculino, que se autocaracteriza como homem, se sofresse um acidente ou possuísse algum tipo de patologia que fosse necessário a amputação do pênis, ele seria considerado do sexo feminino depois desse episódio? Claro que não! 
 
     Além disso, alguns aspectos ligados a esses preconceitos já estabelecidos pela sociedade em relação atribuição prévia de gênero ao sexo biológico, podem trazer alguns problemas sociais como a desigualdade, como podemos observar no vídeo abaixo:
                  

    Diante de todas essas evidências, entendemos que os comportamentos sociais de uma pessoa em relação a sua opção de gênero  não podem ser definidos pela genética, e sim por uma herança de auto construção social. Por tanto, é importante respeitar a preferência desses indivíduos, e não limitá-los a uma idéia padrão criada sem fundamentos científicos e morais pela sociedade de classificação padrão de gênero.

                                 

Veja o vídeo do nosso programa NEUROLAB sobre ideologia de gênero:
                                   https://www.youtube.com/watch?v=IKyapZ7NfJ0



Referências:
 
Jordan-Young, R. & Rumiati, R.I. Hardwired for Sexism? Approaches to Sex/Gender in Neuroscience. Neuroethics (2012) 5: 305. https://doi.org/10.1007/s12152-011-9134-4

Ridgeway, C.L. 2009. Framed before we know it: how gender shapes social relations. Gender & Society 23: 145–160.

Jordan-Young, R.M. 2010. Brain storm: The flaws in the science of sex differences. Cambridge: Harvard University Press.

https://universa.uol.com.br/noticias/redacao/2019/06/26/ao-dizer-que-genero-e-igual-a-sexo-biologico-ministerio-ignora-a-ciencia.htm
                                               


Rodrigo Oliveira

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