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Yagé: psicodélicos e o aprimoramento cognitivo humano relacionado à atenção, criatividade e espiritualidade.



   Sabemos que a ciência pode ser apresentada de diferentes formas no intuito de oferecer uma melhor compreensão sobre o assunto ou abordado para diferentes tipos de leitores. A principal ferramenta utilizada para isso é a  comunicação científica, que possui um grande impacto social. Nesse contexto, a Brain Support criou vários mascotes que tentam transmitir assuntos relacionados à neurociência de forma mais lúdica, divertida e de fácil entendimento por meio de blogs, memes, vídeos e desenhos experimentais. São nossos mascotes: Brainlly, Olmeca, Iam, Yagé e Math. Cada um desses mascotes possui uma representação científica, abrangendo diferentes campos da neurociência. Aqui, vamos falar um pouco de Yagé e de sua relação com psicodélicos e da potencialização da atenção, criatividade e outros benefícios em indivíduos saudáveis. Mas antes disso, vamos conhecer melhor Yagé.

 A palavra "Yagé" é uma denominação indígena dada tanto ao cipó Banisteriopsis (Ayahuasca) caapi quanto ao chá enteógeno que é preparado a partir das folhas da árvore chacrona (Psychotria viridis). Yagé possui seu corpo emaranhado de cipó da planta que dá seu nome, assim como os aglomerados de axônios e dendritos que transpassam o tecido cerebral (imagem ao lado). Sua cabeça é formada por um grande cogumelo da espécie Amanita muscaria, representando o grupo dos fungos alucinógenos possuindo uma cor psicodélica representando seu efeito sobre a mente. Já suas vestimentas são folhas de Cannabis referência vestimentas indígenas,  principais grupos que utilizam esses tipos de plantas como agentes terapêuticos e seus rituais. Yagé mostra como os estados alterados de consciência possuem ligações neuronais com os fungos, raízes e plantas, ou seja, Yagé está diretamente ligado com as modulações que os psicodélicos podem trazer para a cognição e consciência humana.
 
Os psicodélicos são uma classe de compostos químicos que geram experiência psicodélicas, ou seja, altera os níveis de consciência, aumenta substancialmente a sensação de bem-estar e gera alucinações visuais e auditivas. Tais experiências são geradas porque as drogas psicodélicas ativam os receptores serotoninérgicos do cérebro (enganando-os) e aumentando a atividade cerebral (assim como a cafeína faz com os receptores de adenosina).Existem vários tipos e classes de psicodélicos, sendo os mais estudados pela neurociência os fungos, ayahuasca e a cannabis. Trabalhos recentes demonstraram efeitos antidepressivos desses psicodélicos em pessoas com depressão resistente ao tratamento, além de melhorar a ansiedade e regular o humor e auxiliar na melhora do desempenho cognitivo de transtornos como esquizofrenia e associados a doenças neurodegenerativas. Mas em indivíduos psicologicamente saudáveis, existe algum tipo de benefício? É o que vamos discutir aqui.

    Os psicodélicos têm sido comumente descritos como amplificadores da consciência que podem causar  fenômenos mentais que fazem com que o significado e a percepção de eventos pareçam maiores, mais vastos e mais dramáticos do que de outra forma. Isso pode ser associado a efeitos pro cognitivos relacionados à modulação e amplificação da atenção. A atenção é um processo cognitivo, ou função cerebral que tem como principal função alocar o processamento cognitivo em direção a um estímulo, seja ele de ordem visual, auditiva, ou relacionado a algum outro sentido. Ou seja, a atenção direciona qual informação é mais relevante dentre os diversos inputs sensoriais que ocorrem ao mesmo tempo do estímulo. Assim, para que a informação mais relevante possa ser acionada em outro momento de necessidade, essa informação tem que ser consolidada de forma adequada através de uma memória de longo prazo. Dessa forma, melhorar a atenção consequentemente é uma forma de aumentar seu desempenho cognitivo relacionado à aprendizagem e memória.  Isso pode se dar através do aumento da chamada "percepção do significado" causada pelos psicodélicos, ou seja, o aumento da capacidade de fazer com que as coisas pareçam dramaticamente mais significativas do que de outra forma pareceriam. Entre dois terços e 86% daqueles que têm experiências psicodélicas em um ambiente terapêutico de apoio as consideram uma das cinco experiências mais significativas e espiritualmente significativas de suas vidas, ou a experiência mais significativa.  Alguns indicadores neurológicos relacionados a esse evento estão associados, por exemplo, ao aumento da intensidade da resposta da amígdala, aumentando as reações emocionais e consequentemente a intensidade da percepção, diferentemente com o que acontece com alguns medicamentos antidepressivos como os ISRS, que diminuem a intensidade da experiência, permitindo, assim, que indivíduos que estão sobrecarregados por sentimentos lidem e funcionem adequadamente.

   Nesse contexto, os psicodélicos também podem atuar sobre a criatividade, já que a ampliação da atenção ou significado fornece a maior possibilidade de desafios criativos e insights, fazendo com que o indivíduo busque novas e menos óbvias linhas de ideação, possuindo maior motivação para explorar novas direções criativas. E é nesse sentido que os psicodélicos atuam na espiritualidade. O aumento e ampliação da percepção, atenção, criatividade, aliadas ao conhecimento prévio cultural e espiritual trazem experiências do tipo místicas, que possuem como principal característica a obtenção de acesso a um plano de existência mais profundo e significativo, composto por autoridade e significado supremos que transcendem a realidade. Essas experiências podem ser definidas como   "um encontro com uma dimensão hiper-real de proporções metafísicas exageradas". Essas experiências do tipo místico obtidas com psicodélicos parecem subjetivamente mais significativas do que experiências comparáveis não psicodélicas, como as causadas por distúrbios psiquiátricos por exemplo, em virtude da ação de aumento da percepção do significado ocasionado por essas drogas.
 
    Apesar de todos os efeitos pró-cognitivos associados ao psicodélico, seu uso exagerado ou indevido pode gerar epifanias espirituais, bem como em padrões de pensamento paranóicos, ansiedades intensificadas, fantasias amplificadas e outros padrões de pensamento patológicos. Dessa forma, o uso e trabalhos utilizando  microdosagem de psicodélicos para fins de aumento de aprimoramento humano tem se destacado muito nos dias atuais. A microdosagem de psicodélicos é o uso regular de doses limiares sub-perceptivas, consideradas 5–10% de uma dose psicoativa usual de psicodélicos com intuito do aumento do desempenho cognitivo. Trabalhos realizados com micro dosagens (5–10 μg) de dietilamida do ácido lisérgico (LSD) e os cogumelos psilocibina (ou cogumelos mágicos)  mostrou melhora o desempenho cognitivo, humor, criatividade, energia física, relações interpessoais e bem-estar geral em 40% do grupo amostral. Além disso, microdoses de LSD produziram uma percepção de dilatação do tempo nos participantes, o que pode ser interpretado como evidência de aumento da atenção seletiva. Além do estereótipo social negativo relacionado com o uso de psicodélicos no geral ser algo socialmente intrigante, sociedades e culturas diferentes podem possuir algum tipo de variação do efeito dessas substâncias. Isso porque a experiência pós uso, mesmo relacionada ao uso da microdosagem, pode se relacionar com a vivências prévias e atitude individual, e consequentemente, com sua construção de classe e sociocultural. Dessa forma, é amplamente necessário estudos abrangendo indivíduos de culturas e sociedades diferentes  buscando identificar as possíveis influências do meio social  sobre as experiências e percepções após o uso de microdosagens de psicodélicos. Mas no final das contas, visto os benefícios do uso de psicodélicos,  essas substâncias poderiam ajudar na prevenção de psicopatologias, reforçando o senso individual e social de significado e propósito? Ainda não temos a resposta para essa pergunta, mas é inquestionável que as evidências que temos apontam para implicações potencialmente significativas que o modelo psicodélico de aumento da "percepção do significado" associado a microdosagens  pode ser promissor para fortalecer a resistência da sociedade à patologia mental. Mas para concluirmos isso, é muito importante a elaboração de mais estudos com cunho sociocultural associando esse aprimoramento cognitivo com as possíveis alterações neurofisiológicas após a utilização dessas substâncias.  
 
Desenho experimental

     Como vimos, é imprescindível a realização de um desenho experimental que abranja aspectos sociais, neurofisiológicos e cognitivos sobre a utilização de microdoses de psicodélicos. Aqui vamos sugerir um possível desenho experimental para este fim. Para isso, seria interessante observamos a atividade elétrica (eletroencefalograma - EEG) e hemodinâmica (Espectroscopia funcional de infravermelho próximo - fNIRS) (Imagem ao lado) cerebral diante do uso de psicodélicos como um marcador fisiológico de atenção. Sabe-se que, no EEG,  ocorre um aumento da potência espectral da banda gama induzida pela atenção seletiva e da banda alfa durante a ideação criativa. Já trabalhos realizados com fNIRS mostraram um perfil de acoplamento neural que consiste em interações sofisticadas entre regiões dentro dos lobos frontal, temporal e parietal relacionados a dinâmicas criativas e de atenção. Como o principal objetivo é avaliar o efeito de microdoses de psicodélicos (que pode ser  LSD ou psilocibina) em populações socioculturalmente distintas (população 1 e 2), seria interessante avaliar 6 diferentes grupos: Grupo (placebo 1 - oferta de substância sem efeitos alucinógeno aos indivíduos da população 1),  Grupo 2 (placebo 2 - oferta de substância sem efeitos alucinógeno aos indivíduos da população 2), Grupo 3 (indivíduos da população 1 com uso de psicodélicos), Grupo 4 (indivíduos da população 1 sem uso de nenhuma substância), Grupo 5 (indivíduos da população 2 com uso de psicodélicos), Grupo 6 (indivíduos da população 2 sem uso de nenhuma substância). Todos os grupos realizaram uma avaliação cognitiva (atenção e criatividade) e de EEG/NIRS antes e depois das intervenções (figura abaixo).
 




Referências:
 
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Rodrigo Oliveira

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