Microglia e a fagocitose de bainhas de mielina
A velocidade da condução do estímulo nervoso está relacionada com a mielina, uma membrana proteolipídica especializada que envolve o axônio e é produzida pelas células da glia. Durante o desenvolvimento, os oligodendrócitos geram inúmeras bainhas de mielina que são maturadas pela atividade neuronal.
Sabe-se que as bainhas de mielina estão relacionadas com diversos processos cognitivos, incluindo a formação de memórias e a própria aprendizagem.
Tanto em humanos quanto em ratos, um ambiente sensorialmente estimulante tem se mostrado importante para a manutenção e produção das bainhas de mielina, de forma a aumentar a capacidade cognitiva do organismo. Sabe-se que, inicialmente, ocorre uma superprodução das bainhas de mielina pelos oligodendrócitos e, depois, parte dessa produção é desfeita. Como ocorre a “deleção” dessa parcela excedente ainda não foi descoberto.
E as células da glia surpreendem novamente!
A conhecida Neuroglia, amplamente abordada em outros textos do nosso blog, é responsável também pela eliminação de sinapses e neurônios durante o desenvolvimento do SNC. Em doenças neurodegenerativas a destruição de neurônios e sinapses por parte dessas células podem ser reativadas, causando prejuízos sérios para o Sistema Nervoso e suas funções. Além disso, a fagocitose de bainha de mielina por parte da microglia também é um fator prejudicial conhecido em situações patológicas.
(Spittau 2017)
Conhecendo o papel neurodegenerativo da microglia em situações patológicas, a pesquisadora Alexandria Hughes e colaboradores (Hughes and Appel 2020) investigaram se a microglia seria, então, a responsável por eliminar o excedente de bainha de mielina produzido durante o desenvolvimento saudável do organismo. Para "desvendar" essa etapa desconhecida do ciclo de vida das bainhas de mielina, foi feita análise da interação in vivo entre microglia, neurônios e a mielina. O animal utilizado como modelo foi o zebra fish.
Microglia e Oligodendrócitos
Inicialmente, os pesquisadores queriam observar se existia uma relação entre a microglia e os oligodendrócitos. Para isso, mapearam a distribuição dessas células e encontraram correlação entre os dados. As observações revelaram que as células microgliais da medula espinhal se associam a oligodendrócitos durante o desenvolvimento.
Microglia e as bainhas de mielina
Com diversas técnicas de microscopia, biologia molecular e celular, os pesquisadores acompanharam a atividade da microglia durante o desenvolvimento do animal e encontraram evidências de fagocitose de mielina. Observando diretamente as interações microglia-mielina durante o desenvolvimento, foi possível verificar que a microglia fagocita seletivamente bainhas de mielina para esculpir a mielinização.
Possibilidades
Esse achado ajuda a colocar mais uma peça no panorama que vem sendo construído sobre a importância das células da glia em diferentes funções do sistema nervoso. Esse trabalho sugere que a plasticidade da mielina não se limita à unidade axônio-mielina, mas é adicionalmente modificável por outros tipos de células, incluindo a microglia.
A “escolha” de quais bainhas fagocitar seria resultado de uma interação entre os neurônios e microglia que estão em localizados em regiões próximas do cérebro.
Se a microglia realmente contribui para o processo de mielinização, as diferentes regiões do cérebro com diferentes proporções deste tipo celular poderiam apresentar diferentes graus de mielinização. Assim, a microglia estaria contribuindo para a plasticidade do sistema nervoso.
Ainda há muito mais o que investigar, entretanto, essas descobertas ajudam a entender mais sobre o papel da Glia em situações não-patológicas do organismo, podendo auxiliar em pesquisas futuras sobre memória, aprendizado e consciência.
Link para o trabalho citado: https://www.nature.com/articles/s41593-020-0654-2
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Referências
Aging Microglia—Phenotypes, Functions and Implications for Age-Related Neurodegenerative Diseases - Björn Spittau
Frontiers in Aging Neuroscience - 2017
Hughes, Alexandria N., and Bruce Appel. “Microglia Phagocytose Myelin Sheaths to Modify Developmental Myelination.” Nature Neuroscience, 2020, doi:10.1038/s41593-020-0654-2.