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     Essa é a matéria de número 3 da “nossa série” sobre "Ano Novo chegou e o cérebro?" É impressionante quantas estruturas estão envolvidas na plasticidade sináptica respondendo em milissegundos a uma nova experiência. O termo plasticidade refere-se às respostas adaptativas do sistema nervoso (SN), em outras palavras, é uma propriedade do SN que representa a evolução, permitindo que o SN escape das restrições de seu próprio genoma e, assim, se adapte às pressões ambientais, mudanças fisiológicas e experiências. William James (1890), em The Principles of Psychology, foi o primeiro a introduzir o termo plasticidade nas neurociências em referência à suscetibilidade do comportamento humano à modificação. Em 1904, Ramon y Cajal em seu trabalho Textura del Sistema Nervioso, argumentou que a mudança comportamental deve ter uma base anatômica no cérebro e assim estendeu a noção de plasticidade ao substrato neural.
     Vamos entender esse espetáculo dos mecanismos plásticos numa sinapse? Iniciaremos com a Figura 1(A).



Figura 1. Mecanismos plásticos na sinapse (A)

     Na figura 1, didaticamente em amarelo, estamos localizando o astrócito (lembram do astrócito? O guardião por excelência do neurônio – ver matéria 2 em: https://brainlatam.com/blog/neuronios-estrutura-funcao-e-processo.-uallll-estamos-na-segunda-materia-%22ano-novo-chegou-e-o-cerebro%22-2423), em verde o terminal pré-sináptico e em roxo o terminal pós-sináptico. Lateralmente, em verde, o VDCC (Tipo L). Logo acima temos um receptor de tirosina quinase (RTK) e se existe este receptor, é sinal que temos moléculas responsáveis por fatores de crescimento muito próximas. Efetivamente temos a NCAM, molécula de adesão neuronal, em momentos de crescimento do terminal axônico, ou seja, durante o desenvolvimento a NCAM deve se juntar ao músculo específico (terminal neuromuscular) e é essa NCAM que está presente neste momento. É como se ela puxasse o terminal pré para se aproximar com o terminal pós-sináptico. Ela também está interagindo com a MEC e tem acoplado um receptor RTK, e por último, lateralmente, o canal de cálcio (VDCC - Tipo L).

     Para que aconteça a entrada de cálcio na célula, o canal precisa se abrir e é sob o efeito da Tenascina C (TnC) que ele abrirá. O Ca2+ entrando, vai agir com calciocalmodulina quinase II - CAMKII (no dendrito) fazendo que as espinhas dendríticas se ancorem no dendrito, mas neste caso ela ajuda a fosforilar os receptores NMDA e outros tipos de receptores de glutamato e começam a expor estes receptores de glutamato (receptores que já existiam - fabricados a partir da LTP). E quem recruta esse Ca2+? O retículo endoplasmático (que tem como função a síntese de proteínas), as mitocôndrias, as calciocalmodulinas e as bombas.

   A partir dessa mesma entrada de Ca2+, que entra passivamente na célula, se ativa um segundo mensageiro chamada de CAMKII e, aqui,  já podemos ver que existe transcrição e, futuramente, a fabricação de proteínas com a participação da CREB fosforilada agindo como fator de transcrição na região promoter onde está a CRE (elemento de resposta ao AMPcíclico - AMPc), que paralelamente, via AMPc, ativa a Proteína Quinase A (PKA), que também irá fosforilar a proteína CREB, e depois agir no CRE. Tudo sem ainda acontecer o potencial de ação (PA).

     Em resumo, tanto a entrada de Ca2+ na célula, de forma passiva ou ativa, leva a spikes (disparos), que de forma interessante, um número pequeno de spikes já podem induzir a transcrição dos genes e das proteínas chamadas de expressão rápida (c-Fos, CREB, MAPK), que denotam que o neurônio se ativou.

   Essa mesma situação parece ser observada quando temos um PA, que por causa do estímulo elétrico ou eletroquímico faz com que a TOPO IIBeta se desacople, abra o DNA e fique pronto para transcrever, então o enhancer junta-se à região promoter e começa a transcrição das proteínas de expressão rápida (c-Fos, CREB, MAPK) e que, futuramente, irão funcionar como fatores de transcrição de outras proteínas (porque elas voltam ao núcleo e estimulam de novo a região CRE). Portanto, além do ciclo anterior, temos o efeito do Fator Neurotrófico Derivado do Cérebro (BDNF) sobre o receptor de tirosina kinase, que pelo seu nome já denota que fosforila outras proteínas como os grupos da Ras/ERK, da Ca2+/CaMK e do PI3K/Akt, que irão levar à fabricação de outras proteínas como a Arc, altamente estudada em plasticidade neuronal como eficiência sináptica (LTP), neurogênese e sobrevivência neuronal.

     Para saber, o BDNF estimula desenvolvimento espinhas dendríticas, o BDNF precisa passar e estimular outras proteínas que levem nutrientes para esses dendritos, para isso precisamos de microfilamentos/microtúbulos e estes também precisam de Ca2+.

     A Figura 2, temos também receptores RTK que também fosforilam pelo lado da MAPK que junto com CAMKII, irão alterar os componentes bioquímicos desta célula, ou seja, acontece LTP. Alfa e beta estão ao lado do RTK, são as subunidades dos receptores chamados de integrina que ajudam a ancorar a matriz extracelular. Esse mecanismo compõe a plasticidade fortalecida e são estas as estruturas que irão basicamente compor a plasticidade.




Figura 2.
Mecanismos plásticos na sinapse (B)

     De forma didática, a Figura 2, está nos apresentando a metaplasticidade, forma de plasticidade sináptica persistente e essa persistência está vinculado a um efeito de LTP ou LTD (potenciação ou depressão a longo prazo), que é induzida pelo aumento de cálcio intracelular (LTD é pela diminuição do Ca2+ intracelular).

     Para tudo isso acontecer, os receptores de NMDA e AMPA de glutamato precisam estar expostos. Nesta figura também são apresentados com as mesmas funções o canal de cálcio tipo L na fenda sináptica sob efeito da TnC para abrir e fechar este canal, apresenta-se também o hialuronano. Do outro lado aparece a Reelina, o VLDLr (very-low-density-lipoprotein receptor- é o mesmo que quantifica perfil lipídico em laboratório, se é falado que Alzheimer provém de um colesterol, isso se dá por esta estrutura), a APOER2 (apolipoproteína E receptor 2), receptor de reelina e o VDCC (tipo L) e a integrina com suas subunidades alfa e beta1.

      O VLDLr e a APOER2 são estabilizados por Reelina. Essa estabilização vai ativar a SFK, uma quinase que também é ativada por um receptor de integrina. Essa quinase vai fosforilar receptores de NMDA e eles fosforilados deixam entrar mais cálcio. Então conseguimos ver duas entradas de cálcio voltagem dependente por aqui e então com essa entrada de cálcio mais receptores de AMPA são ancorados na membrana e é isso que acontece na LTP, ou melhor, indução de LTP e também indução de LTD com retirada desse cálcio.

    A grande conclusão é que LTP e LTD também depende de um receptor de Reelina. A Reelina, fora da célula, regula os receptores críticos de glutamato NMDA. Ela ajuda na migração de neurônios e formação do córtex e do córtex cerebelar controlando a ordem de chegada das células para formar as camadas. Reelina continua a ser um fator crítico na função das sinapses. A carência de Reelina pode causar esquizofrenia, pois na esquizofrenia tem um desacople de NMDA e AMPA no pré-frontal.

     Durante essa cascata de eventos a entrada de Ca2+, pode ser por canais passivos, durante o PA, ou pelo canal acoplado ao receptor NMDA de glutamato que permite entrada de Ca2+. Uma vez dentro, por exemplo via NMDA, no dendrito, o Ca2+ ativa a CaMKII presente no dendrito e no soma. No dendrito, esse Ca2+ MKII já parece estar perto das espinhas, o que faz ou força a exposição de mais espinhas na membrana, espinhas previamente formadas. Portanto, no soma, esse Ca2+ MKII expõe o Ca2+ aos receptores de Ryanodina e IP3 no retículo endoplasmático rugoso e começa maior liberação de Ca2+, em ponto, sopro ou onda e assim deslocamos as “espinhas” previamente formadas no soma, essa onda de Ca2+ com a Ca2+ + MKII termina levando para o dendrito e deixando perto, pronta para que seja “inserida” na membrana quando seja necessário. Em resumo, a plasticidade é uma atividade complexa, intrínseca do ser humano e as estruturas devem estar em equilíbrio. Dentro da célula, o aumento de cálcio desencadeia a plasticidade sináptica.

 
Curiosidade!

     Você sabia que podemos neuromodular (de maneira externa) a plasticidade neural para um ganho comportamental “ideal” por meio da estimulação cerebral não invasiva?

Sim! Sim! A resposta é sim! A Estimulação Magnética Transcraniana (TMS) é um exemplo, a Estimulação Transcraniana por Corrente Contínua (ETCC) é outro exemplo - estudos em modelos animais fornecem evidências de que os paradigmas de estimulação cerebral não invasivos induzem mudanças na plasticidade neuronal no nível sináptico. O exercício físico também modula a plasticidade cerebral.

    Na quarta matéria desta série, estudaremos sobre o Fator Neurotrófico Derivado do Cérebro (BDNF), e a sua relação a plasticidade neuronal, neurogênese e sobrevivência neuronal. Será que o exercício pode contribuir para a expressão do BDNF? E a estimulação cerebral não invasiva, será que pode contribuir também para a expressão do BDNF? Veremos a seguir!

 

Texto: Profa. Luciane Moscaleski
Revisão: Profa. Dra. Marcela Bermúdez Echeverry

 

 

 

Referências

1 ABRAHAM, Wickliffe C.; BEAR, Mark F. Metaplasticity: the plasticity of synaptic plasticity. Trends in neurosciences, v. 19, n. 4, p. 126-130, 1996.

2 CAVALEIRO, Carla et al. Memory and Cognition-Related Neuroplasticity Enhancement by Transcranial Direct Current Stimulation in Rodents: A Systematic Review. Neural Plasticity, v. 2020, 2020.

3 MELLOW, Maddison L. et al. Acute aerobic exercise and neuroplasticity of the motor cortex: A systematic review. Journal of Science and Medicine in Sport, v. 23, n. 4, p. 408-414, 2020.

4 PASCUAL-LEONE, Alvaro et al. The plastic human brain cortex. Annu. Rev. Neurosci., v. 28, p. 377-401, 2005.

5 WIESE, Stefan; KARUS, Michael; FAISSNER, Andreas. Astrocytes as a source for extracellular matrix molecules and cytokines. Frontiers in pharmacology, v. 3, p. 120, 2012.






Luciane Moscaleski

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